sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Poesia Espiral #3


ali mãe to vendo.


Alí, Mãe, tô vendo.
Qual outra parte de nos mesmos
seria capaz de merecer tão elevada
notícia de um avistamento?
Não o primeiro,
mas a outra perspectiva.
Sem dúvida que a seria.
nos conformes,
em roupa de gala, na estica.
exibo-me as vezes,
por puro pavonismo.
não obstante chama o Norte.
Atendo de acordo com sua veemência.
Existe um sorriso por detrás de todos esses dentes?
Sonho que sim.
Sem querer nada de volta
sinto a novidade efervescer em tópicos de vida e paz,
onde talvez a referida possua seus lugares adaptados,
reverberar pulsações enquanto colhemos carinho,
sei lá.
acordei com a sensação que algo ainda nos encantaria,
ou melhor ainda vai, que bõhn!
Mãe Gentil dos filhos todos,
olhai por nos,
Amém.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

adivinha


O encontro desses laços seria nada além de nó.
Somente ele se basta por dizer.
Nada mais o condiciona em existência que nó.
Notável, não?
Assim será esse lugar de todos nos.
Quer dizer, tomara, né!?
Depende, adivinha do que?

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

é assim, Mãe?


Munido de todas as minhas economias
comprei uma belíssima aliança de noivado.
na falta de noiva lancei-a ao vento.
Pude ouvir o estalar dos cristais
assim que perdi o contato com a jóia.
É assim, Mãe, que se sentes?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

sob tua ingênua identidade


Sob tua ingênua identidade,
o verde já foi um sangrar fundamental de fardas e tecidos
Teu amarelo fundir infinito de dedais e agulhas sofisticadas
para cerzir fundilhos e meias sovadas.
a integridade de teu azul tão violentada e estripada,
quando suas meninas de doze, treze anos.
Tuas estrelas jazem no constante nevoeiro
de almas cinza e podres que regem seu translado.
Nem organizada nem plena.
teu não caminho atemporal estagna-se
no limbo dos acontecimentos.
Sim, também me dói,
no entanto falo de nos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

como quem se dá ao inimaginável


Como quem se dá ao inimaginável
não me surpreendo com a sujeira do coração humano.
deixo-me ser a falsa preferida dos leões,
dos seringais eternos aos rincões mais escondidos,
das planícies ao litoral,
deixo-me ser a falsa preferida dos leões.
Sou aquela a saber sem ter ciência.
Em polvorosa aflição lucrativa por detrás
de ternos gravatas ou de tailleur,
o cobiçado Cabral se deixa ser objetivo
para transformar-se em verbo
e verbo imperativo e imperador de si e de tudo.
Deixando a lírica de lado?
Que se foda esse bando de ladrão eleito!!!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

tem solução pra isso?

mesmo como é que se faz?
não sei e nem nunca o saberia,
ainda sim contei com intuitiva sobriedade.
como é tá bom, se ao contrário
o funcionamento comprometer-se
que seja feito de qualquer forma,
como der, Deus quiser,
ou que o Diabo assim permita.
todos aplaudiram minha decisão.
após ocorrido o fato,
dirigi-me diretamente ao sanitário,
afim de remendar o escorrido por minhas pernas afora.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

perfeição



a perfeição é infinita
e ainda sim tão minúscula
a ponto de caber
no toque sutil
de um verso de amor.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

algumas coisas já nascem prontas



Tava tão escuro alí.
Onde sua voz pingou
ou talvez um brilho apagou,
sei não.
Encontrar o peso que brilha
pode ser pesado demais.
Do sol fez-se mormaço,
horizonte,
conheço esses tons.
Corri fechar a janela,
mas o rompante bateu a porta
com o devido desprezo.
Atento.
Recorri ao caderninho,
algumas coisas já nascem prontas.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

nozes.



O adorável inesperado me faz refém
e como adoro a sensação do infinito.
Nesses pastos onde a beleza se derrama
faço meus os raios solares e os carinhos,
as andanças e o colírio cotidiano.
Em nome da ação coletiva do impossível,
na esperança do que vem,
entre espinhos e pálpebras,
ainda bem estarmos aqui,
eu e tu no país de nozes doizes.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

o casal ao lado


O que mais me incomodava não eram os gritos, o estalar dos tapas, ou a guarda da cama batendo na parede nem os solavancos do lustre, mas sim o silêncio pós orgástico. Aquele momento que eles deveriam estar abraçados, respirando juntos, compondo o pequeno musical do amor jovem e intenso, crente e eterno, de cheiros, carícias e luzes coloridas aos olhos fechados. Isso sim me incomodava demasiado, fazia instintivamente com que eu acendesse um outro cigarro na brasa quase instiguída do último trago. Esse era meu momento maior de pseudo comunhão com o casal. Imaginava-os largados nos lençóis ensopados arfando de espanto e tesão ainda, acendendo um cigarro cada um também e nesse ponto éramos um trio de pura paixão, fortaleza e distância.
Nesse dia, particularmente intrigante, algo me fez sentir diferente, talvez por ser uma terça-feira, meio da madrugada e o casal ainda fazia amor freneticamente, talvez pela amareles de meus dedos indicador e médio que nesse dia justo estavam ainda mais amarelo... por minha geladeira especificamente vazia de alimentos, insumos e acepipes afins. Somente alguns litros de vodka, cerveja, vinho e amendoins, apesar da diabetes, da pressão alta e da trombose e contando com toda sorte de venenos etílicos culpar o amendoim era um capricho. A lâmpada do banheiro acesa, única que funcionava na casa, trazia ao ambiente um sépia de aterrador a sufocante, trincando os vidros da janela e arranhando as unhas nas paredes.
Compadeci-me de minha degradação. Senti um nó na garganta e um aperto no peito, preciso desfazer esse estrangular. Servi-me de uma boa dose de vodka geladíssima, espremi meio limão na bicha e dei um choro de vinho para colorir a translucidez da consciência, mergulhei de um trago só e peguei uma cerveja. Cerveja de garrafa que lata é coisa de jovem. O panorama da sala era verdadeiramente aterrador, uma angústia que pairava no ar tão densa que poderia ser cortada a faca, mas mantendo o armamento no coldre, transgredi o recinto sento-me novamente. Percebi meu short encardido e puído, desci pelas pernas murchas e secas, estilhaçadas de exposição ao tempo e ao desequilíbrio emocional. Demorei um pouco na análise de meus calcanhares roxos e inchados, as unhas farinhentas e horrendas, de um amarelo lavado, quase branco, mas ainda sim amarelo.
Tantos lugares essas pernas passaram que não caberia num planeta, tantas aventuras mentais e meta físicas que num dicionário estariam no Z. Quando o silêncio corrosivo de meus vizinhos imperou, abri minha garrafa com a parte detrás do isqueiro e servi-me fartamente direto no gargalo. Encontrei um momento meio satisfatório até, parecia um perfume que passava pelas cortinas ressequidas da imaginação. Acendi outro cigarro e na intemperança do exato momento detive-me um pouco, mas que lugar estupendo esse. Recostei bem confortável no sofá, o peito apertava de verdade e o coração parecia que ia explodir, alcancei as pílulas da pressão na mesinha e engoli com outro gole farto no gargalo. Deixei-me ficar no torpor alguns segundos.
O braço foi pendendo e adormecido ficava cada vez mais flácido e pesado, deixei escorregar e apoiei o cotovelo contra uma almofada rota. Sentia a garrafa escorreganto muito lentamente da minha mão, tentava aumentar a pressão para rete-la, mas era impossível. O nó do peito foi apertando cada vez mais, lembrei das pílulas para circulação na cabeceira da cama no quarto e não conseguia me mexer. A garrafa escorregava, o nó apertava o braço dormia. Vai cair, vai cair, vai cair... infinitamente meu cérebro repetia a informação para minhas mãos doentes, irrelevante informação. Senti somente o líquido gelado, fervendo seu gás na sola dos meus pés e o torpor pleno absoluto dos que morrem de morte implorada, a satisfação dos que alcançam a realidade.
Encontraram-me dias depois, completamente roxo, em estado de putrefação, cagado e mijado, uma garrafa de cerveja caída aos pés e os comprimidos que achava que tinha tomado nas mãos. O cenário degradante era amenizado por um leve sorriso nos lábios que denunciavam alguma satisfação ou prazer. E era.
Obrigado Senhor, finalmente morri.